terça-feira, outubro 07, 2014

CINEMA: O adeus de um adorável sacana





2014 tem sido um ano de muitas e irreparáveis perdas no meio artístico. Foi com esse sentimento de pesar que recebi a notícia da morte de Hugo Carvana, uma das figuras mais significativas de nossa dramaturgia. Imediatamente, veio à minha memória uma retrospectiva de todas as lembranças dos trabalhos de Carvana e seu adorável e inesquecível malandro presente em vários filmes em que ele atuou e dirigiu, mas também de outros tipos, como o milionário Lineu de “Celebridade” (2003), novela de Gilberto Braga, um dos autores com quem ele mais trabalhou em televisão. 

Como diretor, Carvana tem uma das filmografias mais coerentes de nosso cinema. Todos os seus filmes são impregnados desse espírito carioca, brincalhão e gaiato que o cinema vem perdendo aos poucos. Lembrei que tinha um DVD de seu último filme “Casa da Mãe Joana 2” que nunca tinha assistido, embora o filme estivesse na fila. Achei mais do que justo e propício que ele assumisse a dianteira na fila e, finalmente assisti.


Confesso que não assisti ao primeiro filme da série. Mas já nos primeiros minutos, já consegui identificar o DNA dos protagonistas e, sobretudo, o espírito irreverente dos outros filmes de Carvana ali presente. O filme é uma deliciosa chanchada, diferente das comédias nacionais de hoje chamados por muitos de “neo-chanchadas”, em que as gags e o histrionismo dos atores, muitas vezes se sobrepõem à trama. Ao contrário, “Casa da Mãe Joana 2” não reza por essa cartilha. O filme possui aquela atmosfera ingênua e deliciosa dos antigos filmes dos anos 50 estrelados por Oscarito, Grande Otelo, Dercy Gonçalves e Zé Trindade. De uma despretensão deliciosa, a não ser divertir e fazer rir, sem maiores compromissos com a realidade (essa mania atual de buscar realismo em tudo é um saco!) e com um elenco maravilhoso que compreende lindamente essa intenção. 

Me diverti bastante, dei boas risadas, mas também me senti nostálgico, não só pela atmosfera carioca de Carvana e pela presença de José Wilker, outro enorme talento que se foi esse ano, mas também senti nostalgia por um tempo que não vivi, de um cinema que não existe mais. O cinema de Carvana é quase um cinema de resistência, que se manteve íntegro esse tempo todo, repleto de uma deliciosa picardia, de uma sacanagem ingênua para os dias de hoje, mas que o diretor ainda preservava de uma maneira adorável. A morte de Carvana representa o fim de uma era.
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Filme: CASA DA MÃE JOANA 2
Duração: 80 minutos
Direção: Hugo Carvana – Brasil, 2013.
Roteiro: Paulo Halm
Elenco: José Wilker, Paulo Betti, Antonio Pedro, Betty Faria, Leona Cavalli, Juliana Paes, Fabiana Karla, Caique Luna e outros.